
O trânsito brasileiro é palco de uma tragédia cotidiana que, embora silenciosa, tira milhares de vidas todos os anos. Com uma média de 92 mortes por dia, segundo estimativas da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (ABRAMET), o Brasil figura entre os países com os mais altos índices de mortalidade no trânsito. Essa realidade, longe de ser fruto do acaso, é consequência direta de uma política pública negligente, marcada pelo desvio de recursos, pela ausência de planejamento estratégico e, sobretudo, pela omissão em relação à educação para o trânsito.
Embora o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) reconheça a educação como um dos pilares essenciais para promover a segurança viária, ainda há desafios significativos na implementação de ações educativas eficazes. A gestão do Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito (FUNSET), juntamente com a necessidade de investimentos mais consistentes e estratégias pedagógicas bem definidas, evidencia a importância de se avançar nesse campo. Nesse contexto, torna-se essencial valorizar a educação para o trânsito como ferramenta transformadora, capaz de contribuir de maneira decisiva para a redução da violência nas vias e para a construção de uma cultura de respeito e responsabilidade.
Os dados são alarmantes. Em 2022, mais de 33 mil pessoas perderam a vida em sinistros de trânsito no Brasil. A maioria das vítimas está na faixa etária entre 20 e 59 anos, ou seja, em plena idade produtiva. Motociclistas, pedestres e ciclistas figuram entre os mais vulneráveis, refletindo não apenas a precariedade da infraestrutura urbana, mas também a ausência de uma cultura de respeito e responsabilidade no trânsito.
Esse cenário tem impactos profundos na saúde pública, na economia e no tecido social. Os custos hospitalares, a perda de produtividade e o sofrimento das famílias enlutadas são apenas algumas das consequências de um sistema que falha em proteger seus cidadãos. A violência no trânsito, portanto, não é apenas um problema de mobilidade, mas uma questão de saúde pública e de direitos humanos.
Criado em 1997, o FUNSET foi concebido como um instrumento estratégico para financiar ações de segurança e educação no trânsito. Alimentado por 5% da arrecadação das multas de trânsito, o fundo deveria ser utilizado para campanhas educativas, sinalização, engenharia de tráfego e capacitação de profissionais. No entanto, o que se observa é um desvio sistemático de sua finalidade.
Entre 2005 e 2024, apenas 21,8% dos R$ 23,46 bilhões autorizados foram efetivamente aplicados. Em 2024, dos R$ 810 milhões arrecadados, apenas R$ 54 milhões foram utilizados em ações concretas. O restante foi redirecionado para a reserva do Orçamento Geral da União, comprometendo a execução de políticas públicas essenciais. Esse desvio de finalidade não apenas viola a legislação vigente, como também representa um atentado à vida dos brasileiros.
A educação é, indiscutivelmente, o caminho mais eficaz e duradouro para a transformação do comportamento no trânsito. No entanto, ela permanece deixada em segundo plano. O artigo 76 do CTB determina que a educação para o trânsito deve ser promovida nas escolas, em todos os níveis de ensino. Contudo, essa diretriz nunca foi plenamente implementada pelo Ministério da Educação.
Especialistas alertam que o Brasil está na contramão da segurança viária. Eles explicam que campanhas pontuais e ações isoladas não são suficientes. É necessário um processo educativo contínuo, que forme cidadãos conscientes desde a infância. E reforçam que a segurança no trânsito depende de três pilares: engenharia, educação e esforço legal. Sem o equilíbrio entre esses elementos, qualquer tentativa de mudança será superficial.
Diante desse cenário, o Projeto de Lei 2545/24 surge como uma iniciativa promissora. Aprovado na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, o projeto propõe destinar 5% da arrecadação de multas exclusivamente para ações de educação no trânsito. A proposta prevê a realização de palestras, cursos, campanhas e atividades escolares, com foco na formação de multiplicadores e na capacitação de profissionais da área.
Além disso, campanhas como o Maio Amarelo têm desempenhado um papel importante na mobilização da sociedade. Em 2025, o tema “Desacelere. Seu bem maior é a vida” buscou sensibilizar a população sobre a importância da prudência no trânsito. No entanto, sem políticas públicas estruturadas e financiamento contínuo, o impacto dessas ações tende a ser limitado.
A crise da segurança viária no Brasil é, em grande medida, uma crise de educação. A negligência com a formação de condutores e pedestres, o desvio de recursos públicos e a ausência de políticas educacionais estruturadas perpetuam um ciclo de violência e impunidade. É urgente que o país reconheça a educação no trânsito como uma prioridade estratégica, capaz de salvar vidas e transformar a cultura viária.
A recente sanção da Lei nº 15.153/2025 representa um marco nesse processo de transformação. Ao alterar o Código de Trânsito Brasileiro, a nova legislação amplia o escopo de aplicação dos recursos arrecadados com multas, permitindo que sejam utilizados para custear integralmente a habilitação de motoristas de baixa renda. Essa medida, voltada a cidadãos inscritos no CadÚnico, promove inclusão social, combate desigualdades históricas e amplia o acesso ao mercado de trabalho — especialmente em profissões como motorista de aplicativo, entregador e condutor escolar.
Mais do que uma política de assistência, trata-se de um investimento direto na formação qualificada de novos condutores. Ao garantir acesso gratuito a aulas teóricas e práticas, exames e emissão da CNH, o Estado contribui para a construção de um trânsito mais consciente, responsável e seguro. A educação, nesse contexto, deixa de ser apenas um ideal e passa a ser uma ferramenta concreta de transformação social.
Além disso, a nova lei moderniza processos ao permitir a digitalização da transferência de veículos, com validade nacional e segurança jurídica. Essa inovação reduz burocracias, elimina papelada e acelera procedimentos, tornando o sistema mais eficiente e acessível ao cidadão. Trata-se de uma mudança de mentalidade: o trânsito como espaço de inclusão, inovação e responsabilidade.
É importante destacar que a segurança viária não depende apenas de campanhas pontuais ou de ações isoladas. Como apontam especialistas da USP, ela se sustenta em três pilares fundamentais: engenharia, educação e esforço legal. A Lei nº 15.153/2025 avança justamente nesse tripé, ao combinar modernização tecnológica, inclusão social e formação cidadã.
A aprovação do PL 2545/24, que destina 5% da arrecadação de multas exclusivamente para ações de educação no trânsito, reforça ainda mais esse movimento. Se implementado com seriedade, poderá consolidar uma política pública contínua, estruturada e eficaz, capaz de romper com o improviso e salvar milhares de vidas.
Nesse contexto, os Centros de Formação de Condutores (CFCs) desempenham um papel essencial na consolidação da educação para o trânsito. Mais do que preparar candidatos para obter a habilitação, os CFCs atuam como agentes transformadores, promovendo valores como responsabilidade, empatia e respeito à vida. Segundo especialistas, o CFC é muitas vezes o único contato formal que o cidadão tem com a educação viária.
A formação oferecida pelos CFCs vai além da técnica: ela inclui conteúdos sobre legislação, direção defensiva, primeiros socorros e convivência ética no trânsito. Essa abordagem contribui diretamente para a redução da violência nas vias e para a construção de uma cultura de segurança. Além disso, os CFCs têm se modernizado com o uso de simuladores, aulas online e metodologias interativas, tornando o aprendizado mais eficaz e acessível.
A atuação dos CFCs também se estende à formação continuada, com cursos de reciclagem e atualização para condutores já habilitados. Essa prática é fundamental para manter os motoristas informados sobre mudanças na legislação e novas tecnologias, além de reforçar comportamentos seguros.
Educar para o trânsito é muito mais do que ensinar regras: é formar valores, promover empatia, estimular o respeito mútuo e preparar indivíduos para conviver em um espaço coletivo. Países que conseguiram reduzir drasticamente os índices de sinistros priorizaram a educação como eixo central de suas políticas de mobilidade. O Brasil precisa seguir esse caminho com seriedade e compromisso.
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