
No último dia 3 de setembro de 2025, a Câmara dos Deputados realizou uma Comissão Geral sobre a formação de condutores no Brasil. O evento, sediado no Plenário Ulysses Guimarães e transmitido pela TV Câmara, reuniu mais de 2 mil profissionais do setor, 30 parlamentares, representantes do governo, sindicatos, Centros de Formação de Condutores, Instrutores e sociedade civil. A pauta central: discutir os rumos da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o papel das autoescolas na educação para o trânsito.
A proposta do governo federal, liderada pelo ministro dos Transportes Renan Filho, prevê o fim da obrigatoriedade dos cursos teóricos e práticos em autoescolas para obtenção da CNH. Segundo o ministro, o modelo atual é excludente e economicamente inviável para grande parte da população.
A nova proposta ainda não foi totalmente detalhada pelo Ministério dos Transportes.
A Federação Nacional das Autoescolas (FENEAUTO) e outras entidades reagiram com preocupação. Segundo estimativas, a flexibilização pode levar ao fechamento de até 15 mil CFCs e à extinção de 300 mil empregos diretos e indiretos. Além disso, há receio de que a desregulamentação comprometa a qualidade da formação e aumente os riscos de sinistros.
A FECOMÉRCIO-DF também se posicionou, destacando que as autoescolas são parte essencial da cadeia produtiva e da educação viária, e que qualquer mudança deve preservar a segurança jurídica e pedagógica do setor.
No dia anterior, durante a audiência pública na Comissão de Viação e Transportes, que discutiu o fim da obrigatoriedade de cursar autoescola para obter a CNH, Marcelo Soletti, presidente da Associação Nacional dos DETRANs (AND), afirmou que os DETRANs foram surpreendidos pela proposta, divulgada pela mídia no final de julho. Após reuniões com a SENATRAN e representantes dos 27 Estados, Soletti reconheceu a necessidade de modernizar e revisar o processo de formação, inclusive para reduzir custos, mas reforçou que isso deve ser feito com responsabilidade, sem renunciar à educação e à segurança viária. Ele alertou que mais de 30% da população ainda não tem acesso à tecnologia e que a retirada dos CFCs pode deixar muitos cidadãos desassistidos. Destacou, ainda, que os DETRANs são a linha de frente no atendimento ao público e precisam participar da construção da proposta antes da consulta pública.
Francisco Garonce, vice-presidente do INPROTRAN, também participou da audiência pública, apresentando uma análise técnica. Ele defendeu a modernização dos CFCs com uso de tecnologias como a Inteligência Artificial e a adaptação aos veículos elétricos e automáticos, além da inclusão da formação teórica no ensino médio, com exames nacionais auditáveis, como forma de promover mudança de comportamento e reduzir os mais de 35 mil óbitos anuais no trânsito.
José Robson Alves do Couto, advogado e assessor jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), destacou que a proposta de flexibilizar a formação de condutores vai na contramão dos interesses da categoria que representa, pois compromete a qualificação e a profissionalização dos trabalhadores do setor. Segundo ele, formar um bom profissional leva tempo e exige estrutura adequada, como instrutores capacitados e centros de ensino. Robson enfatizou que a luta da confederação é pela segurança dos trabalhadores nas estradas e nas cidades, bem como pela segurança das pessoas que dependem desses profissionais, como passageiros de ônibus e motoristas de caminhão que cruzam o país.
Durante a Comissão, foi lançada a Jornada pela Educação no Trânsito (JET), uma iniciativa que propõe a criação de um colegiado nacional com representantes dos CFCs para discutir políticas públicas voltadas à formação cidadã e à segurança viária. A proposta está alinhada ao Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS 2025), que busca transformar a cultura viária brasileira por meio da educação.
A ministra Gleisi Hoffmann reforçou que “não há projeto do governo federal para mudar nada das autoescolas”, desmontando boatos e reafirmando o compromisso com a formação qualificada.
O deputado Zé Neto, presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Educação no Trânsito, defendeu a modernização do processo de habilitação, com redução de custos, mas sem renunciar à obrigatoriedade das autoescolas como garantia de qualidade e segurança.
Outros parlamentares, como Luiz Carlos Busato (União-RS), também alertaram para os riscos da proposta, destacando que países como Estados Unidos, Canadá e Índia não exigem cursos obrigatórios, mas enfrentam desafios semelhantes em segurança viária.
A Comissão Geral não foi apenas um espaço de escuta, foi um movimento de ideias para repensar a mobilidade urbana, a inclusão social e a educação viária. A proposta da CNH gratuita, articulada com o governo federal, pode ser um caminho para democratizar o acesso sem comprometer a qualidade. No entanto, qualquer mudança exige diálogo, planejamento e responsabilidade.
Pontos Relevantes Abordados
- Inclusão Social: A flexibilização pode democratizar o acesso à CNH, especialmente para populações de baixa renda;
- Redução de Custos: A proposta promete tornar o processo até 75% mais barato, aliviando o bolso do cidadão;
- Educação para o Trânsito: A Comissão abre espaço para discutir uma formação mais moderna, conectada ao PNATRANS 2025 e focada na redução de sinistros;
- Participação Ampla: Pela primeira vez, sindicatos, instrutores e representantes dos CFCs tiveram voz ativa no Congresso para debater o futuro da formação de condutores.
- Segurança Viária: Parlamentares alertaram para o risco de aumento de sinistros caso a formação seja desregulamentada;
- Segurança Jurídica: A categoria busca estabilidade regulatória para continuar contribuindo com a educação no trânsito e gerar emprego e renda.
A Comissão Geral sobre Formação de Condutores é um divisor de águas na política de mobilidade urbana e educação viária no Brasil. Ao reunir governo, parlamentares, entidades do setor e sociedade civil em um mesmo espaço de escuta, o evento expõe com clareza os dilemas estruturais que há décadas permeiam o processo de habilitação.
A partir daqui o debate não pode mais ser conduzido apenas sob a ótica da desregulamentação ou da redução de custos. É preciso considerar o papel pedagógico das autoescolas, os impactos na segurança viária, a geração de empregos e a formação cidadã. A habilitação não é apenas um documento, é um instrumento de transformação social, que deve ser acessível, sim, mas também responsável e qualificado.
O Blog Transitar seguirá acompanhando cada passo desse movimento. Estamos diante de uma oportunidade histórica de construir um novo pacto nacional pela educação no trânsito, um pacto que una inclusão, segurança, inovação e compromisso com a vida.